Por Joilson Costa*
A matriz energética de um país se refere às fontes primárias utilizadas no processo de conversão energética responsável por oferecer à sociedade a forma de energia necessária para prover conforto, iluminação, força motriz, enfim, para “mover” e manter nossa sociedade nos padrões que conhecemos – ou melhorá-lo.
Ao longo do tempo a engenhosidade humana aprendeu a “extrair” de uma imensa variedade de fontes a energia de que necessitava, tais como a lenha, o carvão, o petróleo, a biomassa, a força das águas, dos ventos, das marés, da radiação solar…
No entanto, a descoberta, a utilização e o desenvolvimento destas fontes não se dão simultaneamente e nem em condições “igualitárias” por vários fatores, que incluem desde a sua disponibilidade na natureza, viabilidade para exploração comercial, impactos que provocam e até mesmo interesses empresariais e/ou políticos. Estes fatores são preponderantes para que uma ou outra fonte tenha o seu uso privilegiado, tornando-se dessa forma hegemônica sobre as demais.
No mundo, já faz algum tempo que este papel cabe ao petróleo – fonte de grande poder calorífico e versatilidade em seu uso. O que talvez não seja conhecimento de alguns é que no Brasil essa hegemonia também acontece, com o petróleo sendo responsável por 39,4% de toda oferta interna de energia durante o ano de 2014[2] – isso corresponde ao total de todas as fontes renováveis. Tal desconhecimento muito provavelmente ocorra devido à confusão que se faça entre matriz “energética” e matriz “elétrica”. Como o nome supõe esta última diz respeito tão somente às fontes utilizadas na geração de energia elétrica, mas infelizmente às vezes alguns a tratam como se fosse a totalidade.
A falta dessa distinção no meio da sociedade em geral faz com que muitos confundam o caráter predominantemente renovável de nossa matriz elétrica com uma pretensa predominância das renováveis em toda a matriz energética, o que não é verdade. De fato, em 2014 cerca de 74,6% do total de energia elétrica gerada (624, 3 TWh)[3] foram provenientes de fontes renováveis (465,7 TWh), enquanto na matriz energética a predominância no total da oferta interna de energia no ano (305,6 Mtep)[4] foi de fontes não renováveis com 60,6% (185,2 Mtep).
Sobre a matriz energética brasileira importa ainda dizer que o gás natural, o petróleo e seus derivados vêm tendo um forte aumento em sua participação, o que consequentemente faz com que o setor energético aumente significativamente sua contribuição na emissão de gases de efeito estufa, que em 2014 ficou na casa dos 485,2 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente e fez com que de 2000 a 2014 o crescimento anual de emissões associadas à matriz energética tenha sido de 3,5%[5].
Em tempos de mudanças climáticas, cuja forte participação das fontes fósseis na matriz energética mundial está no centro do problema devido à emissão de gases de efeito estufa, tal característica da matriz brasileira não deixa de ser um contrassenso com os compromissos assumidos pelo país nas negociações internacionais sobre o clima e posterga uma diminuição acelerada do uso das fontes fósseis[6].
No que diz respeito à matriz elétrica não é novidade para ninguém a forte participação da fonte hidrelétrica na matriz brasileira, que representou 74,6% na oferta interna de energia elétrica em 2014[7]. Em termos de capacidade de geração, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)[8] atualmente a participação das hidrelétricas representa cerca de 61,12%.
Até um tempo atrás a matriz elétrica brasileira poderia ser considerada de característica puramente hidrelétrica. No entanto, o forte crescimento das usinas termelétricas – que atualmente já respondem por 27,75% da capacidade de geração, faz com que hoje o melhor seja chamá-la de matriz predominantemente hidrotérmica[9].
Talvez em um tempo em que ainda se acreditava ser a água um recurso “infinito” assentar a matriz elétrica hegemonicamente em hidrelétricas talvez não fosse visto como um grande um risco. No entanto, em tempos de mudança nos regimes hidrológicos e pluviométricos tal atitude parece não ser mais prudente[10] e o aumento da participação das térmicas denota que até o governo já reconhece isso.
Para além dos riscos que a falta de disponibilidade de água possa oferecer para a continuidade de uma “exploração segura” (do ponto de vista energético) das hidrelétricas, que atualmente são mitigados pelo aumento do uso das térmicas – que paradoxalmente estão no centro do aumento das emissões de GEE e consequentemente contribuem para afetar o regime hidrológico através das mudanças climáticas, cresce cada vez mais a resistência de populações que podem ser atingidas por tais empreendimentos através de seus vários impactos socioambientais.
Além disso, com a descoberta e o desenvolvimento de outras formas de geração de energia elétrica e apesar de persistirem alguns desafios técnicos (perfeitamente superáveis pela engenharia), hoje já não se pode alegar que existam impedimentos de ordem técnica para uma maior (e mais rápida) diversificação da matriz elétrica brasileira. Não apenas vários estudos, pesquisas e publicações, mas vários países do mundo já mostram que é sim possível aumentar de forma considerável e relativamente rápida a participação de outras fontes na matriz elétrica, em especial a eólica e a solar[11].
Com a intenção de pesquisar, elaborar e propor alternativas viáveis à atual política energética do Brasil um conjunto de organizações, pesquisadores e estudiosos do tema[12] há algum tempo apresentou ao Ministério de Minas e Energia um conjunto de propostas para ações governamentais no âmbito do setor elétrico[13]. Entre as várias proposições destacam-se as alternativas possíveis para uma diversificação acelerada da matriz elétrica, em especial através do aproveitamento da energia da maior fonte disponível na natureza: o sol.
Para isso inclusive lançaram uma iniciativa chamada “Nossa Casa Solar” com a intenção de aumentar o conhecimento da população sobre o Sistema de Compensação de Energia Elétrica, que permite que qualquer pessoa possa gerar parte da energia elétrica de que necessita em sua unidade consumidora através da mini ou microgeração[14], mostrando que cada pessoa pode não apenas contribuir com essa diversificação, mas literalmente assegurar parte de sua própria segurança energética.
* Engenheiro Eletricista.
Coordenador da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e integrante da Rede Jubileu Sul Brasil
E-mail: joilson.costa@yahoo.com.br
[1] Texto escrito para subsidiar reflexão em grupo de trabalho do 10º Encontro Nacional Fé e Política, realizado na cidade de Campina Grande (PB), entre os dias 22 a 24 de abril de 2016.
[2] Empresa de Pesquisa Energética. Balanço Energético Nacional 2015 – Relatório Síntese.
[3] 1 TWh equivale a 1 bilhão de kWh.
[4] A tonelada equivalente de petróleo (tep) é a unidade padrão de energia e é utilizada para comparar o poder calorífico de diferentes formas de energia com o petróleo. Uma tep equivale à energia que se pode obter a partir de uma tonelada de petróleo. 1 Mtep = 1 milhão de tep.
[5] Empresa de Pesquisa Energética. Balanço Energético Nacional 2015 – Relatório Síntese.
[6] Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia 2024 a redução projetada da participação das fontes não renováveis na matriz energética em 2024 será de apenas 2,7% comparada com 2015 (de 57,5% para 54,8%).
[7] Empresa de Pesquisa Energética. Balanço Energético Nacional 2015 – Relatório Síntese.
[8] Banco de Informações de Geração (BIG). Disponível em: http://www2.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil/capacidadebrasil.cfm. Acesso em 20/04/2016.
[9] O mesmo BIG nos informa que atualmente existem nada menos que 2.886 usinas termelétrica no país, o que representa 64,2% do total de 4.495 empreendimentos em operação. Somadas, hidrelétricas e termelétricas respondem por 88,87% da capacidade de geração de energia elétrica do país, constituindo a base do sistema e justificando o termo utilizado.
[10] Sobre o risco para a renovabilidade da matriz elétrica brasileira, pode-se consultar o seguinte artigo: http://energiaparavida.org/crise-hidrica-a-renovabilidade-da-matriz-hidreletrica-em-risco/
[11] A título de exemplo, só em 2014 a China acrescentou 10.600 MW de capacidade instalada de energia solar fotovoltaica em sua matriz, acumulando naquele ano 28.199 MW. Já o Brasil, segundo o BIG da ANEEL, conta com menos de 23 MW.
[12] Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil: www.energiaparavida.org
[13] http://energiaparavida.org/frente-entrega-reivindicacoes-ao-ministerio-de-minas-e-energia/
[14] Maiores informações em: http://goo.gl/O4LsVL