Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

No último mês de fevereiro (2014), o desemprego na Itália bateu um novo recorde. Atingiu a marca de 13% da População Economicamente Ativa (PEA), a mais elevada desde que “la disocupazione” vem sendo medida regularmente. Entre os jovens de 15 a 25 anos, porém, a porcentagem é ainda mais alarmante, alcançando a cifra de 42,3%, quase a metade daqueles que procuram emprego. Outro dado nada animador: nos últimos doze meses (fevereiro/2013 – fevereiro/2014), foram fechados 365.000 postos de trabalho no país, nada menos do que uma média de mil por dia. De parte das empresas e indústris em geral, desde o começo da crise, em 2008, cerca de 25% dos empreendimentos interromperam e/ou encerraram as atividades. Não são poucos os pequenos e médios negócios que fecham as portas.

Por outro lado, vem caindo consideravelmente o rendimento e o consumo médio das famílias, incluindo os produtos de primeira necessidade, até mesmo os alimentos. Também os aposentados viram seus rendimentos diminuirem de ano para ano. Nessa atmosfera sombria, de cada 10 trabalhadores italianos, 6 temem perder o emprego, sendo essa a maior preocupação da maior parte das famílias. A verdade é que tornou-se praticamente impossível encontrar outro do mesmo nível e, mesmo para qualquer emprego inferior, o tempo médio para uma nova oportunidade de trabalho pode chegar a 3 anos.

Somando e subtraindo, o resultado desses números são preocupantes. Embora os governantes anunciem que já se pode vislumbrar alguns sinais de recuperação, em termos de crescimento econômico e do PIB, por exemplo, o desemprego deve continuar batendo novos recordes durante o ano em curso, dificultando o fortalecimento de um mercado interno sólido e robusto. De igual modo, as famílias permanecem com um pé atrás quando se trata de ampliar o volume de compras. O fantasma da deflação, tão nocivo quanto a inflação, começa a preocupar certos economistas. De acordo com grande parte dos analistas, as pequenos luzes no fim do túnel apontam para 2015 como “l’anno della ripresa”.

Dois sintomas visíveis desse clima vêm se agravando há alguns anos. O primeiro tem sido chamado de “fuga de cérebros”. Mesmo não dispondo de estatísticas exatas, cacula-se em milhares os jovens de ambos os sexos que deixam o país com a perspectiva de um futuro menos precário. Os destinos mais procurados são Estados Unidos, Grã Bretânia e Alemanha. Fala-se em “hemoragia de mão de obra especializada”, uma vez que grande parte desses emigrantes concluiram os estudos superiores. Não poucos apenas esperam receber o diploma para embarcar. Tal emigração contrasta vivamente com a entrada contínua de refugiados no sul da Itália, especialemte através de Lampedusa. As barcaças apinhadas de gente não param de chegar. Nos três primeiros meses de 2014, o número já ultrapassa a casa dos 5 mil. Entre os países de origem, destacam-se Eritréia, Etiópia, Líbano e norte da África em geral.

O outro sintoma é bem mais trágico. Tem aumentado de forma mais ou menos visível o número de suicídios: trata-se, por uma parte, de pessoas relativamente idosas cujos rendimentos, em alguns casos, sequer conseguem acompanhar o preço do aluguel; de outra parte, pais ou mães de família incapazes de arcar com o sustento da mesma. Pior ainda quando, antes de suicidar-se, eliminam fisicamente os próprios filhos. Não se pode falar de epidemia, evidentemente, mas crescem as situações de desespero, bastando não muitos casos para aumentar o clima de temor, instabilidade e insegurança.

Esse cenário de crise, desemprego, emigração/imigração, e às vezes desespero, vem trazendo à tona um outro debate, delicado mas que ganha espaço no velho continente. Trata-se do tema sobre uma Comunidade Europeia cada vez mais fraccionada entre o norte anglo-saxônico, de um lado, e o sul dos países latinos e mediterrâneos, de outro. Ao norte, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Suécia, Finlândia – países relativamente estáveis e mais ou menos à margem da crise, ou que já a superaram; de outro, Espanha, Portugal, França, Itália, Grécia, Chipre – países que apresentam sérias dificuldades para retomar o nível socioeconomico de 2008.

Algum tempo artrás o empresário húngaro-americano George Soros chamava a atenção para o risco de uma Europa fraturada entre países credores (ao norte) e países devedores (ao sul). Segundo ele, e seguindo o parecer de outros estudiosos, isso seria umas das consequências nefastas da política europeia “dell’austerity e del rigore”, em lugar de incentivar medidas urgentes e necessárias para um crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável. Semelhante política de austeridade, em linha de mássima, beneficiaria os países do norte, de forma especial a Alemanha, cujos bancos continuam faturando através da especulação financeira. Capital que rende acúmulo de mais capital, em vez de produção de bens e serviços à população. Enquanto isso, Grécia, Espanha e Itália – entre outros – patinam no lodo da crise, tendo ainda que arcar com o ônus das dívidas e das carências de ordem sociocultural.

Retomando a temática da migração, os países do sul que confinam com as águas do mediterrâneo, são justamente aqueles onde aportam as embarcações de imigrante refugiados (Itália, Espanha, Grécia). Embora as autoridades italianas venham insistindo que o mediterrâneo constitui uma fronteira da Europa e não só da Itália, os países do norte raramente (para evitar um “nunca”) dão sinais de condidivir o ônus da acolhida aos milhares de refugiados que continuam desembarcamdo em território europeu. Figuras influentes como Jean-Marie Le Pen e Marine Le Pen, bem como os líderes do partido da Lega Nord (e estamos em um países latinos, respectivamente França e Itália) tendem a rechaçar qualquer política de imigração.

As coisas não são diferentes nos países como Alemanha, Suiça, Finlândia, Inglaterra, Dinamarca, Finlândia, etc.? No geral, tanto ao sul quanto ao norte, a verdadeira “política migratória” é o uso de um filtro rigoroso, uma peneira fina, constituída de leis sempre mais rígidas, sobre a massa de imigrantes. Têm chance os que apresentam algum tipo de capacitação ou especialização; os demais raramente conseguirão o título de cidadania. Estão condenados a perambular pelas ruas de Paris, Londres, Roma, Berlim… Sobrevidendo a duras penas nos porões do mercado informal, em boa parte imigrantes “sans-papiers”. Em lugar de uma possível acolhida, difunde-se um duplo fator de rechaço: o temor de que os imigrantes venham tomar o posto dos “nossos”, ao lado de palavras e atitudes de discriminação, preconceito ou perseguição por parte de pessoas e grupos não raro neonazistas. Prova disso são as manifestações racistas e xenófobas da torçida contra jogadores de futebol de origem negra. Manifestações que se verificam tanto nos países do norte europeu quanto nos países do sul.

Roma, Itália, 02 de abril de 2014

 

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