As religiões devem aprofundar a própria imagem de Deus, como fonte e principio da paz, e não como uma divindade intransigente e cruel

Por Marcelo Barros*

 

Em meio às ameaças do governo dos Estados Unidos e seus aliados de invadir a Síria e o risco dessa guerra incendiar outros países, a ONU propõe mais uma vez que no dia 21 de setembro a humanidade comemore o dia internacional de promoção da cultura de paz. A parte mais consciente da humanidade sabe que, por trás da ingerência norte-americana nos países da Ásia, estão interesses econômicos de controle do petróleo e a estratégia militar para dominar toda aquela região.

O pretexto usado por Obama é o uso de armas químicas na região de Goutha, no dia 21 de agosto. Esse fato não está provado. Mesmo que fosse, não há nenhum indício de que o governo de Bashar al-Assad é culpado disso. A única preocupação expressa por Barak Obama, prêmio Nobel da Paz, não é com os 44 mil mortos, vítimas dos combates que até aqui os Estados Unidos e seus aliados promoveram. É se a nação norte-americana sairá fortalecida dessa nova guerra.

A ONU, dividida e incapaz de impedir essa nova guerra, sabe que os líderes religiosos ainda têm grande poder moral e apela para que as religiões contribuam para uma nova cultura de paz. Durante a história, muitas vezes, as religiões forneceram pretextos para guerras. Muitos crimes se cometeram em nome de Deus. Mas, no século XXI, é urgente que as religiões façam desabrochar, do tesouro de suas tradições, o que pode ajudar a humanidade a construir a paz em nome de Deus e dos diversos caminhos espirituais.

De fato, líderes espirituais como o Dalai Lama, papas como João XXIII, pastores como Martin-Luther King e o bispo Desmond Tutu contribuíram muito para se compreender a religião como instrumento de paz. Eles se inspiraram em suas tradições espirituais, para lutar contra o racismo, pregar a não violência e contribuir com relações internacionais pacíficas.

Para levar até o fim esse desafio da construção da paz, as religiões devem aprofundar a própria imagem de Deus, como fonte e principio da paz e não como uma divindade intransigente e cruel que pede sacrifícios e divide os seres humanos em crentes e descrentes, fiéis e infiéis. Esse tipo de deus supõe organizações religiosas baseadas no dogmatismo e no autoritarismo de suas hierarquias. Ao adorar uma divindade assim, Igrejas ou religiões podem até falar de paz, mas, na prática, plantam sementes de intolerância e divisão entre as pessoas.

No início desse mês de setembro, o papa Francisco propôs às comunidades católicas e a crentes de todas as religiões que se unissem em uma oração pela paz do mundo e contra a guerra. Ao premier da Rússia e ao grupo do G20, reunido nesses dias em São Petersburgo, o papa enviou uma mensagem na qual afirma: “A paz é um dom precioso e precisa ser promovido e tutelado. Nunca o uso da violência pode levar à paz. O que podemos nós todos fazer pela paz? Desenvolver e zelar pela cultura do encontro e do diálogo. Essa é a estrada da paz. A humanidade precisa de gestos de paz e tem direito a ouvir palavras de esperança”.

Na América Latina, a cultura da paz tem tomado a forma de uma nova integração bolivariana dos países do continente em uma única pátria grande, solidária e independente do colonialismo. Nela, as culturas indígenas e afrodescendentes têm nos conduzido à cultura da paz como cultura do bem-viver, isso é, a opção de conviver harmoniosamente e a partir de nossas diferenças culturais. Aos cristãos, São Paulo escreve: “Deus que, através de Jesus Cristo, reconciliou o mundo consigo, nos encarregou da palavra da reconciliação” (2 Cor 5, 19). Isso implica o trabalho de estabelecer a paz conosco mesmos, com os irmãos e irmãs diferentes de nós e com Deus, fonte de paz e amor do universo.

Fonte: Brasil de Fato

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