Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Roma, 24 de março de 2018
Os alertas vão se acumulando de forma preocupante. De um tempo para cá, alguns oficiais militares começaram a levantar a voz, às vezes com o silêncio suspeito e consentido de seus superiores. Depois, vem a ocupação pelo exército do Rio de Janeiro, cidade que, diga-se de passagem, já viveu momentos piores em termos de violência urbana. E, improvisamente, chega-se ao o trágico e insensato assassinato da vereadora Marielle Franco, execução brutal que lembra os tempos sombrios da ditadura. Enfim, é já bem conhecida e notória a sobreposição do crime organizado sobre o Estado de direito em determinadas cidades brasileiras…
Como se não bastassem tais sinais amarelos, em Brasília o governo Temer arrasta-se inerte e ineficaz, para não dizer ilegítimo, no sentido de cumprir um calendário vazio até as eleições de outubro/2018. De outro lado, contam-se nos dedos de uma única mão as figuras idôneas para assumir as rédeas da rex publica no contexto histórico atual. Apesar das riquezas naturais do país e da criatividade dos brasileiros, a economia segue a passo de tartaruga. Cresce a olhos vistos, e de forma progressiva, a disparidade entre o andar de cima e o andar de baixo da pirâmide social. O Poder Judiciário tende a desequilibrar os pratos da balança que o simboliza…
Que outra coisa se deve acrescentar para concluir que a democracia brasileira oscila por um fio? Talvez nunca tenha sido tão expressiva a distância entre os discursos e interesses dos políticos, na capital federal, e as urgências e necessidades básicas da população, pelos campos e cidades, pelos porões, grotões e periferias do país. Quanto ao cenário crônico e histórico da corrupção, tornou-se tão vizinho ao nariz de cada cidadão que corremos o risco de ignorá-lo. Grande é, ainda, a apatia e o descrédito, o desencanto e a indiferença da população em geral para com os destinos reais e concretos deste “gigante ainda adormecido”.
Felizmente – e vale salientar que utilizamos essa palavra com todo o respeito pela dor dos familiares de Marielle Franco – o sangue derramado da vereadora parece ter despertado as forças sonolentas de não poucos “combatentes do bom combate”, parafraseando o apóstolo Paulo (2 Tm 4,7). A força indômita e a morte precoce e violenta dessa legítima representante da população mais pobre, defensora incansável dos direitos humanos esquecidos e sistematicamente violados, acabou por levar às ruas milhares de pessoas.
A repercussão dessa morte inaceitável se estendeu pelo interior do país, bem como pelo exterior. Diferentes manifestações se multiplicaram dentro e fora do Brasil e pelas redes sociais pela Internet. Revival das forças de esquerda em oposição a uma política econômica que “mata e descarta”, no dizer do Papa Francisco!… Substituição da “globalização da indiferença” pela “cultura da silidariedade”, dia ainda o Pontífice!… O fato é que a ação truculenta dos filhos das trevas provocou uma reação que desde muito não se fazia notar.
O que está em jogo? Devemos falar de outro sinal – desta vez na contramão da inércia e da sonolência generalizadas? Tomara seja essa a aurora e o horizonte dos acontecimentos. Só assim as próximas eleições poderão retomar o fio tênue, embora resistente, de uma democracia que apesar de tudo segue viva e ativa. Eis uma esperança de que novos canais, novos instrumentos e novos mecanismos estejam sendo forjados para a construção de um processo firme e sólido de participação popular. Bem que poderia ser esse um belo presente de Páscoa – símbolo maior da vida, “e da vida em plenitude”, como se lê no Evangelho (Jo 10,10).