Pe. Nelito Dornelas*
A 5ª Semana Social Brasileira quer trazer para a pauta de debate das Pastorais Sociais, das Comunidades Eclesiais de Base, dos Movimentos Sociais e Sindicais, para o Movimento Ecumênico e do Dialogo Interreligioso, uma reflexão crítica sobre o Estado brasileiro, na comemoração dos 190 anos de independência do Brasil, nesta Semana da Pátria.
Escrevia, há 32 anos, o intelectual brasileiro Darcy Ribeiro, que nós, brasileiros, surgimos de um empreendimento colonial que não tinha nenhum propósito de fundar um povo. Queria tão somente gerar lucros empresariais exportáveis, com pródigo desgaste de gentes.
Não se pode dizer, talvez, de povo algum que, como nós, tenha sido feito – ainda que tão mal feito – à luz da inspiração de refazer o humano, como utopia. Nascemos desta aspiração suspirada. Nela vivemos e morremos todo dia, os mais de nós, sem jamais sermos o que quiséssemos.
A unidade nacional e cultural, admiráveis, se contrapõe aqui uma dilaceração classista tão funda como a das castas que separa e opõe os pobres aos ricos, como nem o racismo, nem a intolerância dividiram jamais a povo algum. Existindo juntos a elite e os párias, vivem apartados por um modus vivendi que mal deixa se verem uns aos outros. É como se vivessem em universos distintos**.
O Estado brasileiro é a materialização desse projeto colonizador. E, diferentemente, das outras nações latino-americanas, nossa independência não se deu como resultado de um processo popular de enfrentamento ao colonizador. Todas as manifestações populares contra a colonização e contra a escravidão foram violentamente reprimidas.
É certo que o Brasil ganhou importância política na região, quando a Família Real veio para cá, expulsa pelas tropas de Napoleão, mas isso não nos trouxe a independência.
Conta-se que Dom João VI teria dito para Dom Pedro I: Pedro, apanha essa coroa e põe-na sobre tua cabeça, antes que algum aventureiro lance mão dela.
Aventureiro aqui são todos os movimentos libertários que lutavam e ainda lutam pela nossa independência.
Para tanto, é oportuno celebrar no dia da Pátria a memória de resistência desses “aventureiros”, que se fazem presentes ao longo de nossa história.
“Aventureiros” são os quilombos de Palmares com Zumbi, em Alagoas, e do Ambrósio, em Minas Gerais; a Cabanagem, no Pará, quando o povo tomou o palácio do governador e implantou um governo popular; o Caldeirão de Zé Lourenço, em Juazeiro, no Ceará; Pau de Colher e Canudos de Antônio Conselheiro na Bahia; a Batalha do Jenipapo, no Piauí; Contestado, em Santa Catarina; a Inconfidência Mineira com Tiradentes e os Conjurados; as Missões dos Sete Povos no Rio Grande do Sul; a Confederação dos Tamoios no Rio de Janeiro; a Confederação do Equador, liderada por Frei Caneca, em Pernambuco; a Coluna Prestes, de Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, que percorreu a pé, com seus soldados, 20 mil km no território brasileiro; a resistência do povo Botocudo, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais; a Revolução Constitucionalista, em São Paulo; as Diretas Já; a luta de resistência à ditadura; os movimentos dos trabalhadores rurais sem terra e todo o movimento camponês e em defesa da Reforma Agrária e das sementes crioulas; o Movimento dos atingidos por barragens; a construção do Sindicalismo classista e combativo; as Associações comunitárias e as Cooperativas de produção e venda; o Fórum da economia popular, solidária e sustentável; a Articulação do Semi Árido e a construção de 500 mil cisternas de captação de água de chuva; os povos das florestas; os pescadores artesanais; os povoas do Xingu e sua luta contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte; os Movimentos Ecológicos e em defesa da vida do planeta e no planeta; o Movimento dos afetados pelas mudanças climáticas; os Movimentos de mulheres; a lideranças que se candidatam a cargos eletivos e repensam os partidos políticos e seus mandatos, colocando-os a serviço dos pobres; O movimento dos sem teto; a luta pela Ética na política e no Movimento de combate à corrupção e a defesa da Ficha limpa; a Comissão da Verdade; o Tribunal do Judiciário; o Movimento Fé e Política; a Assembleia Popular; as Pastorais Sociais; os Movimentos Sociais; os 600 mil indígenas que ainda preservam suas culturas, suas 170 línguas diferentes e lutam pela demarcação de seus territórios; a realização dos Intereclesiais de CEBs; o Congresso Camponês que reuniu mais de sete mil trabalhadores e trabalhadoras rurais em Brasília, em agosto de 2012; a realização da 5ª Semana Social Brasileira.
“Aventureiros” somos todos nós que carregamos a Utopia Brasil e ousamos gritar: queremos um Estado a serviço da Nação, que garanta direitos a toda população!
*Articulador da 5ª Semana Social Brasileira, assessor das Pastorais Sociais-CNBB.
**De Darcy Ribeiro, julho de 1980, por ocasião da visita do Papa ao Brasil, in: O caminhar da Igreja com os oprimidos, de Leonardo Boff, Ed.Vozes, Petrópolis RJ.