Por Patrícia Cornils – Outras Palavras
A Pública, central dos servidores públicos, fez uma série de vídeos com entrevistas sobre a “reforma” da Previdência. Em uma delas o professor Eduardo Fagnani, do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e coordenador executivo do documento “Previdência: reformar para ampliar a exclusão num país desigual?”, organizado pela Anfip e pelo Dieese, fala sobre a revogação de direitos que a PEC 287 propõe e do país que ela pode criar no futuro.  Um Brasil que não acolhe seus idosos, estudantes, trabalhadores rurais. Vale a pena assistir o vídeo abaixo da transcrição, na íntegra:
“Reformas de previdência, reformas de políticas públicas em geral, são normais. É normal fazer reforma da Previdência. A questão é qual reforma.
A Previdência é hoje o principal instrumento de proteção social do Brasil. Nós tivemos uma queda grande na desigualdade da renda. Nela, 60% teve a ver com trabalho, emprego e salário mínimo. E 30% teve a ver com a Previdência.
Hoje, 80% dos idosos brasileiros têm pelo menos uma fonte de renda, a Previdência. A média na América Latina é 40%. Vários países têm 20%. É difícil você ver um velho pedindo esmola na rua. A pobreza entre os idosos com mais de 65 anos hoje é de 7%. Se não fosse a Previdência, seria de 70%. E eles estão se lixando para isso.
Ao fazer uma reforma, você tem que preservar o sistema de proteção social. O que eles querem fazer é acabar com o sistema de proteção social. A reforma só tem objetivo fiscalista. O objetivo é destruir o Estado Social de 1988. É muito mais do que um ajuste fiscal, é uma mudança do modelo de sociedade. A reforma da Previdência se insere na mesma perspectiva, por exemplo, da PEC 55, do teto dos gastos. Da reforma trabalhista, que quer fazer com que os direitos trabalhistas retrocedam 100 anos no Brasil. É nesta mesma perspectiva que entra a reforma da Previdência: acabar com o Estado Social de 1988. Sou contra essa reforma.
A pergunta que eu faço é a seguinte: que país os formuladores desta reforma estão pensando para o Brasil em 2060? Não é o país que eu penso. Por que? Porque essa reforma acaba com o direito à proteção na velhice. Estamos revogando o direito à proteção à velhice porque uma pessoa, para se aposentar, tem que entrar no mercado de trabalho com 16 anos e ficar no mercado de trabalho durante 49 anos, sem sair do trabalho nunca.
É uma hipocrisia. Qualquer pessoa da elite do Brasil diz ‘a educação é prioridade’. Como é prioridade? Se tenho que entrar no mercado de trabalho aos 16 anos não vou estudar. Um jovem que quer estudar e entra no mercado de trabalho com 23 anos, que é a média dos países europeus onde eles dizem se inspirar para esta reforma, vai se aposentar aos 73 anos. Se ele trabalhar ininterruptamente e com carteira assinada durante 49 anos. Não vai acontecer isso.
Mais grave, a questão do trabalhador rural. Mais grave ainda, a questão do Benefício de Prestação Continuada, o BCP. As pessoas mais vulneráveis dessa sociedade, pessoas que têm renda per capita de 1/4 do salário mínimo ou portadores de deficiência. Hoje se aposentam aos 65 anos. Sabe o que vai acontecer? Eles vão ter que se aposentar aos 70. Eles não vão viver até os 70 anos. Ou serão condenados a uma situação de pobreza enquanto tiverem vida.
Então a gravidade desta reforma é que ela só tem objetivo fiscalista. Ela vai revogar, no Brasil, oartigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que toda pessoa tem direito a umaproteção digna na velhice.
Você está fazendo uma reforma no Brasil dizendo que está se inspirando nos países europeus mas está fazendo uma reforma superior aos padrões europeus. Não dá para comparar o Brasil com a OCDE. Só em 2060 o Brasil vai ter a mesma expectativa de vida da OCDE. Em qualquer indicador que você pegar na OCDE, seremos os últimos no ranking.
Então eu deixo uma pergunta. Ao trabalhador rural brasileiro, o trabalhador rural do Nordeste, onde está 70% da pobreza, vai ser exigido para ele regras superiores aos países da OCDE. É justo, para um trabalhador rural do Nordeste, ser submetido a regras superiores às do trabalhador rural da Dinamarca? Eu não acho justo mas é isso que está sendo feito.”

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