Por Luiza Sansão | Blog da Luisa Sansão

Condenado a 11 anos e 3 meses de prisão, o ex-catador de latas foi absolvido da acusação de associação ao tráfico de drogas e permanece respondendo a processo por tráfico. Caso seguirá para Brasília após recurso especial que sua defesa apresentará
Por unanimidade, o ex-catador de latas Rafael Braga, 30, foi absolvido nesta quinta-feira (22), pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), do crime de associação ao tráfico de drogas. Assim, a pena caiu de 11 anos e 3 meses para 6 anos e 600 dias-muita.
Participaram do julgamento os cinco desembargadores que compõem a 5ª Câmara Criminal do TJRJ: Denise Vaccari (relatora), Marcelo Anátocles (revisor) e os vogais Cairo Ítalo (presidente), Paulo Baldez e Luciano Barreto. Eram necessários, portanto, ao menos três votos para que a decisão anterior fosse reanalisada e alterada.
O recurso apresentado pela defesa de Rafael referiu-se à sentença da 39ª Vara Criminal do TJ-RJ, que, em 2017, condenou o ex-catador a 11 anos e três meses de prisão por tráfico e associação ao tráfico de drogas — sendo seis anos e nove meses por tráfico e quatro anos e seis meses por associação —, no processo iniciado em 12 de janeiro de 2016, quando Rafael encontrava-se em regime aberto com uso de tornozeleira eletrônica havia pouco mais de um mês e foi preso com novo flagrante forjado.
O julgamento ocorreu após longos meses de espera. Depois de serem negados pelo TJ-RJ, em fevereiro, os embargos declaratórios — recurso que tem como objetivo sanar contradições, omissões ou pontos que não estiverem suficientemente claros em uma determinada sentença —, a defesa de Rafael entrou, em março, com os embargos infringentes — medida que poderia resultar em alteração no resultado do julgamento, como ocorreu hoje. O procedimento cabe quando a decisão dos desembargadores em 2ª instância não é unânime, como quando o recurso de apelação à sentença condenatória foi negado pela 1ª Câmara Criminal do TJ-RJ, em dezembro de 2017.
Na ocasião, o desembargador Marcos Basílio apresentou voto divergente com relação às colegas Katya Monnerat (relatora) e Sandra Kayat, que negaram o recurso. Basílio absolveu Rafael pelo crime de associação ao tráfico, reduzindo a pena para seis anos de reclusão e 600 dias-multa. Ele entendeu que, conforme alegado pela defesa do ex-catador, não há nenhuma prova de que o acusado estivesse associado a ninguém.
Em função da divergência de Basílio, a questão da condenação por associação e a dosimetria da pena aplicada no caso do tráfico seriam julgadas novamente, possibilitando a absolvição do ex-catador na acusação de associação e a redução da pena por tráfico.
A sustentação dos embargos infringentes seria feita pelo advogado Carlos Eduardo Martins, do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH), que atua na defesa de Rafael. Entretanto, não foi necessário que o advogado falasse na tribuna, uma vez que os cinco desembargadores acolheram o recurso.
“Rafael teve sua pena reduzida pela metade, foi feita justiça parcialmente no caso é o grande debate se transporta agora para o STJ, onde será debatida a questão da incriminação por tráfico. Esperamos que essa seja revertida em Brasília, assim como o julgamento da revisão criminal, a ser futuramente posta contra a condenação do caso que envolveu o porte da garrafa de Pinho Sol possa ser revertida e Rafael, inocentado dos dos crimes”, explica Martins.
Foi a maior vitória da defesa de Rafael.
“A decisão faz justiça ao que a defesa vem sustentando ao longo de quase três anos. Rafael Braga não é e nunca foi associado ao tráfico. Iremos aos tribunais superiores para pleitear sua absolvição também do crime de tráfico de drogas para estabelecer os fatos e a Justiça”, diz o advogado Lucas Sada, que também atua na defesa de Rafael.

Rafael Braga no dia em que deixou o Sanatório Penal, em Bangu, para tratar tuberculose em casa. | Foto: Luiza Sansão
Resumo do caso

Rafael foi preso injustamente, sob a acusação de portar material explosivo quando levava apenas dois frascos lacrados de produto de limpeza — em 20 de junho de 2013, quando um milhão de pessoas tomou a região central da capital fluminense para protestos cuja motivação o então catador de latas desconhecia.
O jovem negro, pobre, morador de favela e analfabeto foi preso como se pretendesse usar como “coquetel molotov” — que ele sequer sabia o que era — um frasco plástico de desinfetante Pinho Sol e outro de água sanitária da marca Barra, na manifestação que ele não sabia por que estava acontecendo.
Para ele, “não são só 20 centavos” e outras frases cunhadas em cartazes e palavras de ordem contra os governos do estado e do país naquele junho não faziam o menor sentido. Ele não sabia sequer quem era o governador do Rio ou o prefeito da cidade na qual ele sempre ocupou apenas a margem.
Recolher latas e outros materiais recicláveis pelas ruas movimentadas do Centro era o mais perto que ele chegava da visibilidade — que era nenhuma, até ele se tornar símbolo da seletividade do sistema penal brasileiro, com seu rosto estampado em muros por toda a cidade.
Tornou-se o único preso condenado no contexto das manifestações de junho de 2013, quando pessoas que participaram dos protestos chegaram a ser presas, sendo posteriormente libertadas.

Rafael em setembro de 2015, no Escritório de Advocacia João Tancredo, onde trabalhou no período em que estava no regime semiaberto. | Foto: Luiza Sansão

Em 12 de janeiro de 2016, o ex-catador estava em regime aberto, com uso de tornozeleira eletrônica, havia pouco mais de um mês, quando foi preso novamente sob acusação de tráfico de drogas e associação ao tráfico, com base na versão dos policiais que o abordaram.
Ele caminhava da casa de sua mãe para uma padaria na favela onde vive sua família, no complexo da Penha, zona norte do Rio, quando policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) local abordaram-no violentamente e o conduziram a um beco, onde o agrediram com socos no estômago, apontaram-lhe um fuzil e o ameaçaram de diversas formas para que ele delatasse traficantes da região, pois, do contrário, iam “jogar arma e droga na conta” dele, conforme contou Rafael ao depor no dia dos fatos e também em audiência no TJ-RJ posteriormente — versão também contada por uma testemunha que assistiu a cena da janela de sua casa.
Conduzido à 22ª Delegacia de Polícia (Penha), ele se deparou com 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína e um rojão, cujo porte lhe foi atribuído pelos policiais que o prenderam, levando-o a ser autuado por tráfico de drogas, associação para o tráfico e colaboração com o tráfico.
O TJ-RJ o condenou, em abril de 2017, a 11 anos e três meses de prisão por tráfico e pagamento de R$ 1.687 (mil seiscentos e oitenta e sete reais), conforme decisão do juiz Ricardo Coronha Pinheiro. Movimentos populares realizaram uma série de protestos contra a prisão do jovem, debatendo a seletividade da Justiça contra negros, pobres e favelados.

Azulejo que homenageia Rafael Braga no muro da casa de sua família, em favela na Penha, Zona Norte do Rio. | Foto: Luiza Sansão

O pedido de habeas corpus sustentado por sua defesa foi negado no dia 8 de agosto pelo TJ-RJ. Um novo pedido, liminar, quando Rafael já estava com tuberculose, foi novamente negado pelo TJRJ no dia 31 de agosto.
Tendo contraído tuberculose na prisão, ele esteve internado no Sanatório Penal de Bangu, tendo em setembro iniciado tratamento em prisão domiciliar.
O recurso de apelação contra a sentença que o condenou a 11 anos e três meses de prisão foi negada em dezembro. Os embargos de declaração impetrados em janeiro foram negados em fevereiro e ainda não há uma posição sobre os embargos infringentes impetrados em março, o que pode ocorrer a qualquer momento.

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